Dicionário de Quandos
Max Gehringer – Comédia Corporativa
“Tempo” talvez seja o
que as empresas mais gostam de ter. Com tempo suficiente para pensar e agir,
qualquer decisão fica mais fácil. Mas a globalização, todo mundo já sabe,
é o resultado da combinação de duas variáveis: infomação e velocidade. Ganha a
corrida globalizada quem sabe mais e chega antes. Claro que esta drástica
mudança no mundo dos negócios teve várias conseqüências práticas para nós,
brasileiros. Uma delas é que nunca teve tantos estrangeiros por aqui querendo
que as coisas sejam feitas mais rápido do que a gente já está acostumada a
fazer.
Acontece que nós
nunca nos sentimos lá muito à vontade com essa história de marcar hora certa.
Quer dizer, marcar, a gente até marca, mas chegar na hora marcada são outros
quinhentos. Porque, no fundo, pontualidade é uma espécie de paranóia. Se a
Terra tem bilhões e bilhões de anos e continua girando na mesma velocidade de
sempre, será que chegar meia hora atrasado a um compromisso vai causar algum dano
irreparável ao equilíbrio cósmico?
Mas não é todo mundo
que enxerga com bons olhos essa maneira bem brasileira de ser. Pior, alguns
desses “todo mundo” são chefes, e só por isso se sentem no direito de ficar
irritados e agir como prima-donas. Quem eles pensam que são? Ah, é mesmo, são
chefes. Nesse caso, temos que reconhecer que chegou o momento de fazermos
algo prático para evitar algumas destemperanças e, principalmente, para
mantermos os nossos empreguinhos.
O quê?? Vamos passar
a ser pontuais como um carrilhão britânico? Não, não é bem por aí. Porque a
gobalização implica também reconhecer diferenças culturais, e acho que
devemos começar colaborando para que os executivos alienígenas reconheçam as
nossas. Antes de mais nada, eles precisam saber que o brasileiro desenvolveu
uma terminologia própria quando o assunto é medida de tempo. Com o
objetivo de facilitar a compreensão de nossos partners globalizados para
a transformação do “tempo falado” em “tempo físico” - e principalmente
para evitar que eles fiquem pegando no nosso pé porque prometemos e não
cumprimos - está sendo compilado o Dicionário Brasileiro de Quandos (que
já deveria estar pronto, mas atrasou) do qual foram extraídos os excertos a
seguir:
Agora mesmo
O “mesmo” tem função
gramatical bem definida nessa expressão, porque está modificando o advérbio.
Quer dizer que, se o “agora” foi modificado, ele deixa de ser “agora”. E passa
a ser “mais tarde”, que é exatamente o que o brasileiro estava tentando
explicar desde o começo.
Depende
É uma medida de tempo
meio quântica, porque envolve a conjunção de várias incógnitas, todas
desfavoráveis. Em situações anormais, pode até significar “Sim”. embora até
hoje tal fenômeno só tenha sido registrado em testes teóricos de laboratório. O
mais comum é que “depende” queira dizer “Não, mas isso não é uma desculpa.
São no mínimo três”.
...E pouco
Nenhuma expressão
confunde estrangeiro mais do que essa. Porque, para alguém com mentalidade
lógica, “Daqui a duas horas e pouco” só pode significar “Daqui a duas
horas e menos da metade de uma hora”. Porque se fosse, vamos dizer, duas
horas e quarenta minutos, aí já seriam “duas horas e muito”. Mas esse
povo de fora não entende que no Brasil o “pouco” nunca está relacionado ao que
vem antes dele na frase (no caso, a “duas horas”), e sim ao que vem
depois, mas fica oculto numa elipse: “Daqui a duas horas e pouco me importa
se você tem pressa”.
Imediatamente
No Apêndice
Morfológico do Vocabulário Brasileiro dos Quandos será explicado que qualquer
palavra terminada em “mente” já é uma confissão prévia: ela mente.
Descaradamente.
Já-já
Aos incautos “já-já”
pode dar a impressão de ser duas vezes mais rápido que “já”. Ledo engano, é
muito mais lento. Faço já significa “Passou a ser minha primeira
prioridade” , enquanto faço já-já quer dizer apenas “Assim
que eu terminar de ler o meu jornal, prometo que eu vou pensar a respeito”.
Logo
“Logo” é bem mais
tempo que “dentro em breve” e muito mais que “daqui a pouco”. É tão
indeterminado que até pode levar séculos: “Logo chegaremos a outras galáxias”.
É preciso também tomar cuidado com a frase “Mas logo eu?”, que quer dizer “Tou
fora”. Mas como em inglês as sentenças são construídas ao contrário, um
americano entenderia “EU logo mas”. O que não faz nenhum sentido, mas muita
coisa na vida corporativa também não faz e a gente acaba sendo cobrada do mesmo
jeito.
Mês que vem
Parece coisa de
Primeiro Grau, mas ainda tem estrangeiro que não entendeu. Existem só três
tipos de meses: aquele em que estamos agora, os que já passaram e os que ainda
estão por vir. Portanto, todos os meses, do próximo até o Apocalipse,
são meses “que vem”.
No máximo
Essa é fácil: quer
dizer “no mínimo”. Exemplo: “Entrego em meia hora, no máximo”. Significa
que a única certeza é de que a coisa não será entregue antes de meia
hora.
Opa!
Atenção para a
tremenda sutileza... se a pergunta estiver no tempo futuro (por exemplo, “Você
garante que me entrega isso ainda hoje?”), a sílaba tônica recai sobre o
“o” inicial: “Ô-pa!” Já se estiver no tempo pretérito (“Você não ia me
entregar isso ontem?”), vira oxítona: o-PÁ!. Em ambos os casos, porém, o
significado é o mesmo. Ou seja , “Opa!”
Pode deixar
Traduz-se como
“nunca”.
Por volta
É uma medida de tempo
dilatada, em que o limite inferior é claro, mas o superior é totalmente
indefinido. “Por volta das cinco horas” quer dizer “a partir das cinco
horas”.
Sem falta
É uma expressão que
só se usa depois do terceiro atraso. Porque, depois do primeiro, deve-se dizer:
“Fique tranqüilo, que amanhã eu entrego”. E depois do segundo: “Relaxa,
amanhã estará em sua mesa.” Só aí é que vem o “Amanhã sem falta”. No
caso do extremo o “sem falta” falhar, emprega-se o “Veja bem” (consulte letra
V).
Um minutinho
É um período de tempo
incerto e não sabido, que nada tem a ver com um intervalo de 60 segundos, e
raramente dura menos que cinco minutos. Exemplo: “Quanto tempo você leva
para imprimir as 90 páginas do relatório?”, pergunta mister Johnson.
“Ah, é só um minutinho”.
Veja bem
É o day after do
“depende”. Significa “Viu como pressionar não adianta?”. É utilizado da
seguinte maneira: “Mas você não prometeu os cálculos para hoje?” Resposta:
“Veja bem...” Se a desculpa colar, será então marcado um novo prazo, de comum
acordo entre as partes. Nesse caso, recomenda-se o uso da expressão “Com
certeza”, que é o complemento temporal perfeito para o veja bem. “Então,
amanhã, antes das quatro, certo?” Resposta: “Com certeza”. Porque
amanhã vai ser outro dia e, aí, veja bem...
Voando!
Quando alguém diz “Quero
isso voando!” não sabe que há certas coisas - poucas, mas há - que o
brasileiro entende literalmente. E “voar” é uma delas. Sendo que, a partir
do momento em que a ordem decola, as providências permanecem fechadas para
pousos.
Xiii...
Quem houve “xi” como
resposta, e vai procurar no Aurélio quanto tempo é isso, chega à conclusão
errada. Porque está lá que “xi” é uma interjeição que exprime espanto,
inquietação, surpresa ou alegria. Só que um “xiii” dito após a frase “Não
vou mais tolerar atrasos, OK?” não exprime nenhuma daquelas quatro
coisas. Exprime dó e piedade por tamanha ignorância sobre nossa cultura. E
depois ainda dizem que nós é que não sabemos ser globalizados...
Zás-trás
Palavra em moda até
uns 30 anos atrás e que significava “ligeireza no cumprimento de uma tarefa,
com total eficiência e sem nenhuma desculpa”. Por isso mesmo, caiu em desuso e
foi abolida do dicionário.
Bibliografia: Gehringer, Max;
Comédia Corporativa; Edição 2000; Edit. Campus; Rio de Janeiro - Brasil.
➢ Use as expressões
abaixo para fazer um debate do texto ‘Dicionário de Quandos’.
Eu acho...
Mas eu não vejo
assim....
Exatamente!
Ao contrário...
Eu não acho que...
Talvez a verdade
seja...
Isso é verdade.
Você tem razão.
Co mo você pode dizer Mas por outro lado...
uma coisa dessas?...
➢ Complete o texto
conforme o sentido.
O Milênio De Um Ano
a) ________(ir)
o mais curto milênio da história.
_______(durar) um ano. É o que
________(dizer) os jornais, as revistas a
tevê, o rádio. Revejo as gravações,
releio os jornais e revistas e está
lá, em dezembro de 1999, o fim
do milênio. Agora, já ________(ir) terminar
de novo. Mal ____________(começar) em janeiro de 2000 e
já cede lugar a um novo início de milênio.
b) Você _______(ter)
aquela idéia brilhante de um nogócio na internet. Já __________(falar)do
projeto para um punhado de amigos mais próximos e todos ____________(concordar)
em que é um negócio vencedor.
➢ Substitua a expressão
grifada pelo pronome correspondente
a) Responda a carta
agora mesmo.
b) Ele encheu o
tanque ontem.
c)
Ainda não recebi o recado.
d) Emprestei a revista a
Marcelo.
e) Comprei umas rosas para
ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.